28.11.11

Noites de incêndio

Quando eu cheguei, você já tinha saído. Nada mais comum – afinal, foram tantos os desencontros que, se a porta estivesse aberta, eu até estranharia. Pelo menos me restou a janela, e daqui posso ver o horizonte sangrar todo fim de tarde, como se percebesse a ausência sua. Mas sabemos que não é verdade. Ele não sente, nem eu. Ao que parece, a cena se repete tanto que a dor já falha em se manifestar. E talvez você volte, tocando a campainha ou girando a chave. Não seria novo. Quem sabe até eu já tenha saído, deixando aqui somente as garrafas vazias que nem são mais motivo para incomodar. A tudo se acostuma. Então o horizonte será seu de novo, para eu sangrar longe daqui. Você vai trocar as fechaduras, desligar o telefone e pintar as paredes. De repente até trocar a cama de lugar. Para quando eu chegar com as garrafas cheias e encontrar a porta fechada, ter que tocar a campainha e pedir para você fechar a janela enquanto a gente insiste em se beijar. Então o céu vai ficar cinza lá fora, porque o vermelho vai voltar a pulsar. E a rua vai sentir minha ausência. Aí vamos botar uma música. Você vai se levantar. Eu ficarei no sofá.

“Dança comigo?”

Você sabe, eu nunca aprendi a dançar. Acho que é por isso que sonho com o dia em que nosso bailar vá deixar de ser assim.

11.10.11

Algo para o fim de semana

Dominar as palavras para que elas não saiam de mim é algo que ainda não aprendi. Por isso, acabo fazendo textos que dirão mais do que você deveria saber. Eu sei, é inútil esconder o que se sente, só que também é inútil sentir se você não aparece. Vão dizer que nunca dá para saber ao certo o que é real e o que não é aqui, mas eu sei que você sabe. Você sempre soube. A dúvida é dos outros, que não podem precisar se vivo tudo isso ou mesmo se você é de verdade. E é isso que me encanta. A eles, o benefício da dúvida. A você, a certeza das frases. Porque meus textos são sobreviventes de um desencanto possível. Heróis de uma conquista imaginada. Algozes de um sentimento provável. Enquanto isso, chove lá fora e a lua sorri. Enquanto isso, o cigarro apaga enquanto eu olho para você. Perco o domínio das palavras. Cumpro a promessa que levei anos sem executar. Ponho o ponto final antes que alguém descubra o que não posso dizer.

(porque se não existe, não se pode sofrer.)

22.8.11

A melhor das noites

Ela tem um sorriso e carrega as dores do mundo. Não é incoerente, sequer insana. Apenas aprendeu a ser assim: aquieta-se quando devia compartilhar, emudece quando devia gritar. E guarda e suporta e acumula e sofre. Só que ninguém vê. Porque ela não sabe pedir. Porque ela pensa não precisar. Mas nenhum peso é pouco para se carregar sozinho, e é o saber dividir que faz qualquer um maior. Assim as lágrimas podem sair e os sofrimentos podem cessar. Para seguir adiante sem abrir mão de si, vivendo um pouco da vida que às vezes parece esquecer que lhe pertence. Ser dela mesma antes de ser dos demais. Ser imperfeita para que o mundo não necessite esperar dela mais do que ela pode dar. Descobrir-se, por fim.

Ela tem o sorriso para o mundo. E guarda suas alegrias para o dia em que encontrar o seu lugar.

27.7.11

Um par de anos e mais

Lembro-me de que, um dia, ouvi que as desilusões aumentavam com o tempo. Talvez por ainda ser jovem na ocasião e pressupondo que as dores que sentia naquele momento jamais seriam suplantadas, apenas ri. Mas aquelas palavras nunca saíram de mim. Por enquanto, pensava até que o contrário aconteceria: pela repetição, aprenderia que a cada nova dor o sentimento seria abreviado, e que doía mais agora porque somente quando se viveu tão pouco se pode ter o amor puro como ele deve ser. Aí veio o tempo. Com ele, as porradas. Perdendo ali, errando aqui, desistindo lá. A cada experiência, uma nova dor. E nada de me acostumar, de me tornar imune, de não sofrer. A única melhora era a reação: troquei os meses em casa, chorando, pelos dias nas ruas, bebendo. Porém, a vida adulta foi me trazendo a certeza de que os fracassos eram mais agudos – um pouco por entrarem na conta dos anos que faltam para findar, um outro tanto por representarem a repetição que a maturidade devia ajudar a evitar. Dose. Muitas doses. Alguém dirá que o valor dos acertos também muda, principalmente porque passamos a ver o que eles de fato são. Ignoro. Até parece que não sabemos que é na tristeza que preferimos nos situar. Por conta disso é que nos é tão difícil sorrir. Ou mesmo chorar. Sim, aquelas palavras estavam certas. Sim, aquelas dores vão sempre existir e aumentar. A gente acaba por descobrir que é assim. Só não entendo por que não desiste de experienciar.

28.6.11

Espanto

Ela pensa que fala (a alma é muda). E a solidão que a toma, como em um turbilhão, ensina o caminho de se afastar de si. A respiração é pouca, os gestos são brandos. Ela não podia estar ali. Por isso, não vive, não deixa, não aceita. Diz adeus quando deveria dar abraços. Pede perdão quando o certo é um obrigado. Só vai seguindo. Só, vai seguindo. Só vai, seguindo. Não volta. Não pode voltar. Não quer. Mas não é dela o devir. Nem o saber. Apenas o sentir, que já não está ali. Porque não quer estar. Porque não deve. Porque é assim. Ela disse.

Ele não.

E a vida que perde é o que ela ganha no fim.

23.6.11

Assim

“Mientras desnudo el ruido de mi mente, / saber que estas ahí me hace más fuerte.” (Vetusta Morla)

Pode ir embora. Cansei de achar que você estava aqui quando, na verdade, tudo o que me restava era uma esperança de algo que nunca existiu. Seu nome não me diz mais nada, sua imagem não me traz qualquer alegria. Prefiro apagar seu telefone e ignorar as mensagens que podem estar por vir. Você não merece, quem sabe sequer um dia mereceu. Tolo fui eu ao me apegar a palavras ditas, mesmo sabendo que são os fatos que devem nos fazer ter no que acreditar. E agora, enquanto você sorri, eu vocifero que prefiro jamais te (re)encontrar.

Pode ir assim. Eu não vou chorar. Mas leva contigo a amargura de quem não viveu para realizar e me deixa aqui, com os seus postais que vão se guardar, sem chegar ao destino – a dura lembrança da distância que pertenceu a nós.

Prefiro voltar sozinho ao meu caminhar.

10.6.11

Mis baldosas amarillas

A sensação de não ser mais parte do espaço ao qual você sempre pertenceu. A vontade de correr para onde você se sente bem. A necessidade de estar distante para se entender melhor. A urgência de viver uma vida que vá além da que você se acostumou.

Eu preciso do ar.

(E de pegar aquele primeiro avião que me leve até lá)

30.4.11

Casamento*

*Para você que nunca surgiu

Não podia ser tão improvável. Não devia ser tão difícil.

A verdade é que nunca imaginei que, de tantas lágrimas que já rolaram pelo meu rosto, algumas fossem ser por perceber que o tempo passa. Não naquela percepção boba de que estou ficando fisicamente mais velho ou de que as coisas que ainda podiam ser feitas há alguns anos não fazem mais sentido. É pior. Elas surgiram dessa sensação incômoda de que a idade que chegou não trouxe junto a realização de uma vontade até então não sabida, desse sentimento de incompletude que, pousando a cabeça no travesseiro, agora bate em mim. Deve ser fácil conviver com isso quando a juventude ainda está no começo ou quando não se tem um coração partido, só que não é mais o caso. Agora dói, agora incomoda. Enquanto isso, fico desejando o momento em que dois mundos vão colidir e gerar uma explosão que tire meu chão, que roube todo o meu ar, que me faça acreditar. Parece simples, se dito desse jeito. Alguns vão até afirmar que é só questão de querer ou aceitar, que as oportunidades estão ali para quem procura ver. Mas, na real, a gente sabe que não é assim; a realidade insiste em me provar que não. Por isso, as tais lágrimas insistem em cair, enquanto só consigo me perguntar quando é que você – quem é você? – vai chegar por aqui para isso ter um fim.

Se é que ele existe também.

18.4.11

Autocrítica

Todos esses textos são ruins.

As palavras têm gosto amargo, as frases são repletas de rancor, os pensamentos estão cheios de saudade.

As entrelinhas de nada valem, os esforços são em vão.

Todos esses textos são ruins.

Você não devia estar aqui. Eu não devia estar aqui. Nada disso devia estar aqui.

Já perdemos tempo demais. Há uma vida para viver ali fora.

Todos os textos.

Nada são.

Eu sou ruim.

Você também.

18.3.11

Crianças

O tempo que tenho agora é o tempo que nunca quisemos ter – o do silêncio, da ausência, do desconforto, do vazio. Um tempo que não passa, que não cura, que não faz esquecer.

“Os anos que temos juntos / são todos que quero ter”, o rádio diz.

E eu só penso no que fizemos do tempo que não soubemos viver.

2.2.11

Quebre o vidro

Às vezes tudo o que gostaria é saber a hora exata de frear. Mas, acostumado que sou às intensidades da vida, sempre me vejo apegado a pisar fundo, como se a oportunidade fosse única, independente de o momento ser oportuno ou de a situação ser propícia. Assim, assumo riscos que não deveria e faço escolhas que poderiam ser perfeitamente evitadas se houvesse um mínimo de prudência. Tudo em velocidade estonteante. O que não seria mal se o mundo rodasse na mesma passada e as outras pessoas me acompanhassem nisso. Porém, é claro, não é o que ocorre. Por isso essa sensação de descompasso não sai de mim, e o resultado tende ao nada. A partir daí, o que resta é silêncio, angústia ou sei lá o quê. E tudo por não dar dois passos para trás antes de um para frente, como reza a cartilha da pessoa sensata. Ok, eu sei que muitos dirão que a vida com desconfiança não tem graça, que tentar é necessário e tudo mais. Só que eu juro – juro mesmo – que tudo o que eu queria era ter alguma cautela ao viver.

Ou ao menos ter algum freio de mão para acionar em caso de emergência emocional.

3.1.11

Teoria da lata

O maior problema das promessas feitas a dois é que, muitas vezes, aquele que propõe é quem, de fato, acredita na sua realização. À outra parte cabe ser conivente, assentindo sem pensar direito na responsabilidade da aprovação. E tudo está bem até que se coloca no caminho o momento em que é preciso decidir se vai se fazer de fato aquilo ou não. A partir daí, descobre-se que as visões são diferentes, que os momentos são incompatíveis, que as expectativas são outras. Enfrenta-se a dor e o ônus de se desfazer os castelos de areia montados ingenuamente, enquanto se sente os grãos de um sonho que nunca vai se concretizar escorrendo de forma cruel pelas mãos. As palavras ditas não valem registro, as escritas já foram apagadas. E aquele que propôs tudo descobre que está sozinho, e que talvez sempre tenha estado, enquanto a outra parte, que um dia aparentou estar ali, já encaminha os planos de um futuro qualquer distante dali.

É assim que termina, com um “esquece que eu existo” ou “você vai viver melhor sem mim”. Sem planos, sem tempo, sem volta.

Podia não ser assim. Podia ser apenas teoria.

Mas há sempre alguém para colocar em prática.

Quem eu vou ser depois de você?