28.11.11

Noites de incêndio

Quando eu cheguei, você já tinha saído. Nada mais comum – afinal, foram tantos os desencontros que, se a porta estivesse aberta, eu até estranharia. Pelo menos me restou a janela, e daqui posso ver o horizonte sangrar todo fim de tarde, como se percebesse a ausência sua. Mas sabemos que não é verdade. Ele não sente, nem eu. Ao que parece, a cena se repete tanto que a dor já falha em se manifestar. E talvez você volte, tocando a campainha ou girando a chave. Não seria novo. Quem sabe até eu já tenha saído, deixando aqui somente as garrafas vazias que nem são mais motivo para incomodar. A tudo se acostuma. Então o horizonte será seu de novo, para eu sangrar longe daqui. Você vai trocar as fechaduras, desligar o telefone e pintar as paredes. De repente até trocar a cama de lugar. Para quando eu chegar com as garrafas cheias e encontrar a porta fechada, ter que tocar a campainha e pedir para você fechar a janela enquanto a gente insiste em se beijar. Então o céu vai ficar cinza lá fora, porque o vermelho vai voltar a pulsar. E a rua vai sentir minha ausência. Aí vamos botar uma música. Você vai se levantar. Eu ficarei no sofá.

“Dança comigo?”

Você sabe, eu nunca aprendi a dançar. Acho que é por isso que sonho com o dia em que nosso bailar vá deixar de ser assim.