22.1.15

Inverno em Veneza

A primeira vez que ele sentou ao piano foi para tentar compor uma canção de amor. Porém, nada saiu. Faltavam a ele o domínio dos acordes e o conhecimento do tema. Assim, decidiu lançar-se ao aprendizado. Estudou as escalas minuciosamente, entendendo tom por tom. Aprendeu o que era grave, o que era agudo, o que era maior e o que era menor. Ao mesmo tempo, tentou começar a amar. Investiu em relações que pareciam certas, crescendo ao ouvir um sim ou um não. Viveu o que era dor, o que era alegria, o que era sério e o que era fútil. Colheu as duas experiências e foi escrever sua primeira canção, mas se descobriu clichê, falando obviedades em notas simplistas. Decidiu começar de novo. Desta vez, foi rigoroso: usou pausas e sons prolongados, construindo sutilezas necessárias. Também buscou uma relação estável, feita de sorrisos constantes e afeto mútuo. Com os dois, as frases foram saindo com facilidade, as batidas do coração ditando o ritmo da música. Se, por breves segundos, a inspiração lhe faltava, olhava para ela ao seu lado e logo a ordem se reestabelecia. Quando viu, mais do que uma canção, tinha uma sinfonia completa, vibrante, pulsando vida. E a casa se encheu de amores e sons, levando embora o vazio do silêncio que reinava até pouco tempo. Foi assim que ele descobriu que a música sempre esteve ali, esperando para se desvelar. O que faltava era ela, somente ela. 

- Silêncio, vai começar!

- Eu nunca vou deixar de te amar. 

3.1.15

Pasárgada

Existe uma tristeza aqui dentro que, por vezes, apresenta-se com uma força visceral. É quando a garganta aperta e os olhos marejam sem que nada tenha acontecido, me lembrando que o vazio existe e que a ausência continua a incomodar. Aí a voz embarga, o corpo fraqueja e o coração parece parar. O pior, porém, não é saber que ela está em mim, mas não poder controlar a sua aparição. Porque, na maior parte do tempo, estar feliz é possível. Há muito com que possa me ocupar, então ela fica ali, quietinha, guardada num canto qualquer. Mas basta um silêncio, um dia livre ou uma chuva fina para me derrubar. E isso acontece, simplesmente. Mesmo que eu tente fugir. Mesmo que eu insista em não pensar. E machuca, sangra, atormenta. Apesar de tudo, também sei que ela vai embora quando o dia acabar, então basta apenas suportar por algumas horas. Chorar um pouco, gritar um tanto, lamentar por demais. Dormir. Dormir torcendo para que, ao menos em meus sonhos, você esteja aqui para isso parar de doer. Porque lá você sempre volta. Porque lá a tristeza não existe. Porque lá não há horas vazias nem página em branco. Somos só nos dois. Novamente. Até o fim.