Retroprocessador
Ele parou por um instante e deu mais um gole no chá. Era calor, a cidade era o Rio de Janeiro, mas mesmo assim o dia parecia pedir uma bebida quente e sofisticada. Do outro lado, estava ela. Quieta, reativa. Provavelmente tomando uma coca-cola ou qualquer outro líquido de cor escura e bolhas (“fazem cócegas no céu da boca, você sabia?”) e pensando em como ele era imbecil de, depois de tudo, ainda tentar falar mais do que duas palavras com ela.
Ainda assim insistia.
O chá tinha o mesmo gosto de sempre. Afinal, por que raios havia sabores? No fundo, todos pareciam água suja e tinham gosto de uma erva qualquer. Sofisticado porra nenhuma, é bebida para aquelas velhas que passam o dia filosofando sobre como era bom quando elas eram jovens, como se elas lembrassem como era bom quando elas eram jovens. Lembram porra nenhuma. Coca-cola porra nenhuma. Enfim.
Ainda assim insistia.
Ela já tinha ido embora, mas ele continuava a beber o chá. Frio, escuro, enfiado na cadeira como se tivesse sido plantado e germinado ali. Ela devia estar pensando em como ele era imbecil de, depois de tudo, ainda tentar falar mais do que duas palavras com ela. Mas o dedos dele estavam trêmulos e ele só sabia perguntar se tudo estava bem . E ela virando as costas como se nada ouvisse (“eu só ouço o que quero, você sabia?”) e caminhando lentamente para o fim do corredor.
Ainda assim insistia.
Essa merda de cadeira dói a bunda. E as costas também. Porra, como eu odeio essa cadeira de merda. E esse chá de merda, que já tá frio. Vai embora porra nenhuma, você tem que me ouvir. Você não é uma daquelas velhas surdas que passam o dia vagabundeando pelas calçadas da rua, fechando o caminho de quem tá com pressa. E eu tenho pressa, e elas tão sempre no meu caminho. Como você. Porra nenhuma. E você, tá bem?
Ainda assim insistia.
Bem porra nenhuma.
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